quarta-feira, 20 de junho de 2012

CRUZAMO-NOS, MAS NÃO NOS ENCONTRAMOS (II)


Referimos, no post anterior, dois dos grandes obstáculos que se colocam ao encontro connosco, com os outros e com o mundo que nos rodeia: Mescla entre observação, julgamentos, emoções, interpretações… Quando julgamos, dividimo-nos, separamo-nos do nosso ser mais profundo e do ser mais profundo do outro. Congelamos a realidade e fechamo-la num único dos seus aspectos. Travamos o curso do rio que nos leva ao campo do encontro. 
 Gauguin

Thomas d`Ansembourg enuncia, ainda, os seguintes obstáculos:

3º) Agimos em função de critérios exteriores: o hábito, a tradição, o dever imposto ou suposto (“Acho que tenho que…”), o medo do olhar do outro – pais, conjugue, filhos, colegas… - ou essa parte de nós próprios que não conhecemos bem, que não nos é familiar e cujo juízo ou culpabilidade receamos.
Habituámo-nos “a acreditar que somos mais ou menos sempre e mais ou menos totalmente responsáveis pelo bem-estar do outro, assumindo uma impressão confusa e quase constante da nossa culpabilidade em relação ao outro, bem mais do que uma percepção esclarecida da responsabilidade de cada um. Ao mesmo tempo, habituamo-nos a acreditar que o outro é mais ou menos sempre e mais ou menos totalmente responsável pelo nosso bem-estar, assumindo uma impressão confusa e quase constante da sua culpabilidade ou dívida em relação a nós”, esperando que o outro cuide das nossas necessidades sem que as tenhamos identificado ou dirigindo-lhe pedidos como se fossem exigências, sem explicarmos qual é a nossa necessidade. Então, se o outro não reagir como desejamos, criticamos, julgamos…
Tomar consciência das nossas necessidades ajuda-nos a perceber que estas existem independentemente da situação ou pessoa com quem possamos estar. As pessoas ou situações só nos dão a oportunidade de as satisfazer, pois as necessidades são preexistentes a qualquer situação.
Exprimir a nossa necessidade diferenciando-a das nossas expectativas em relação ao outro, abre-nos todo um potencial de soluções entre as quais pode existir a sua intervenção, mas não só. Por outro lado, dá-lhe um espaço de liberdade, liberdade que possibilita o verdadeiro encontro.

4º) Incompreensão das nossas necessidades.
Se não compreendermos as nossas necessidades acabaremos por lheS renunciar submetendo-nos às soluções dos outros para lhes agradar (“ser boa pessoa”) ou por impor as nossas soluções, ou ainda por ficar à espera que os outros nos “adivinhem”.
É incrível como, por estranho que pareça, as nossas necessidades precisam mais de reconhecimento do que satisfação.
É extraordinariamente apaziguador tomar consciência do nosso mundo interior, sem forçar uma parte, nem recalcar outra: identificar e nomear necessidades cuja satisfação, num determinado momento, nos pareça conflituante e, portanto, não exista uma solução imediata. Ao fazê-lo redefinem-se prioridades e abrem-se caminhos para novas soluções.
É a consciência da necessidade que nos permite uma escolha viva que envolve a nossa totalidade no encontro com o outro.

 Fonte:  Seja verdadeiro, Thomas d`Ansembourg

4 comentários:

  1. Olá Teresa. Este texto é muito importante e, falando, como sempre, a partir da minha experiência pessoal, começo por dizer que só com muita maturidade, com o passar dos anos conseguimos fazer alguma coisa do que o texto trata. Vou então começar pela frase final, " seja verdadeiro". Eu sou uma pessoa muito verdadeira e por ser assim, às vezes causo conflitos, principalmente com aqueles com quem vivo. Por exemplo, eu não sou nada adepta de tradições e há algumas que não respeitaria se eu não tivesse família. Para ter uma ideia, eu ainda hoje digo que não gostei do meu dia de casamento, principalmente pela tradição que sempre há numa cerimónia dessas. Imagine, numa aldeia, há 36 anos eu não seguir a tradição? Mesmo assim quebrei algumas; levei um ramo de rosas vermelhas ( deveria ser branco) e o meu marido não usou gravata; além disto, outras pequenas coisas que alterei. Não sei se houve " falatório", mas com certeza que sim. O resto eu tive que aguentar, porque o desgosto que daria aos meus pais seria enorme. Ainda hoje há tradições que sigo para não magoar, principalmente familiares mais chegados. Já aprendi que as minhas necessidades interiores são só minhas e que independem de quem está junto de mim; sei que só eu as posso resolver e aprendi também que, sentir-me feliz não tem nada a ver com quem vive comigo; claro que contribui, mas tenho que ser eu mesma a reconhecer o que me faz falta, o que me realiza e ir à luta para conseguir acalmar a minha alma inquieta. Embora eu também tenha aprendido que o que eu sou ou o que eu faço não vai fazer os meus familiares felizes( eles tem que se sentir felizes com o que são) tenho consciência que se eu mudasse em determinados aspectos isso acrescentaria um pontinho na felicidade que eles já tem. Penso ( ou melhor, sinto ) que por mais que tentemos nunca conseguiremos abstraírmo-nos da ideia de que, de vez em quando, temos que deixar de ser só nós mesmos para podermos ver marido, filhos e netos mais agradados. Em contrapartida, tenho a certeza que por vezes eles também vão contra aquilo que no fundo mais desejariam para me verem mais alegre.Sinto que neste ponto é muito difícil fazer só o que nos agrada e só o que realmente nos satisfaz. Quanto aos demais, àqueles que não me dizem nada, sinceramente não sou daquelas pessoas que se preocupam com o politicamente correcto.
    Continua...

    ResponderExcluir
  2. continuação...
    Neste fim de semana, vai-se fazer uma campanha de angariação de alimentos no hipermercado, para a loja social onde faço voluntariado. Eu não vou, embora saiba que houve bastante dificuldade em arranjar pessoas para isso. Mas, é uma coisa que me custa muito fazer e disse à coordenadora que iria na Segunda- feira, o dia todo, ajudar a arrumar os alimentos e a contabilizá-los. Há dois anos que trabalho nessa loja como voluntária e ela já sabe que conta comigo para qualquer coisa, mas para isso não. Já fui uma vez, ainda no Inverno, porque foi só um dia e a uma Quinta feira e aqui entra o facto de muitas vezes fazermos determinadas coisas mais pelo reconhecimento do que por satisfação; não gosto, não me realiza, mas acabei por ceder; por não ser ao fim de semana, ainda se tornava mais difícil arranjar pessoas que quisessem fazer isso e tanto me pediram que eu fui; fiz um bom trabalho, tenho consciência disso, mas, mesmo assim, não aceitei desta vez. Por isso, Teresa, sinto que fazemos muita coisa não porque nos realize, mas porque temos consciência de que os outros apreciam e valorizam o que fizemos. Quanto a exprimir as nossas necessidades, eu não tenho dificuldade nenhuma em fazê-lo, quando eu consigo identificá-las; mesmo quando não consigo sou capaz de me abrir com uma gtande amiga para tentar que, juntas, consigamos interpretar o que estou sentindo; já fiz isso muitas vezes e amigas minhas também. Acho isso importante, pois é uma maneira de nos encontrarmos. Costumo dizer que sou um livro aberto e que às vezes abro demais esse livro; sinto que o que faço não é abri-lo demais, mas sim deixar que as pessoas erradas o leiam. Neste ponto tenho-me acautelado mais, mas tento não o fechar totalmente, pois esta é uma das qualidades que aprecio em mim e naqueles que comigo convivem.
    E muito haveria a dizer sobre isto, Teresa, mas precisariamos de uma tarde, sentadas num lugar calmo para debater tudo isto. Não podemos infelizmente, pois estamos muito longe. As vezes o meu marido diz que eu deveria saír mais, procurar esta ou aquela pessoa, mas eu respondo-lhe que há pessoas com quem gosto muito de conversar, mas que não vivem perto e por isso, sendo só " para jogar conversa fora" nem sempre me apetece. Moram perto de mim algumas com quem gosto de conversar, mas,estão muito mais ocupadas que eu e por isso só de vez em quando as encontro. Quando isso acontece ficamos horas em conversas muito interessante.
    Sabe, Teresa, vim aqui várias vezes...não me apetecia escrever, mas contrariei a minha vontade e saíu este enorme testamento. Foi bom ter-me contrariado! Um beijinho, amiga e espero que tenha um bom fim de semana
    Emília

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Oi Emília

      Confesso que já tinha saudades de a ler por aqui e que bom foi fazê-lo ontem e hoje. Muito obrigada. Começando, então, pelo título do livro que foi a fonte destes posts, “Seja verdadeiro”, creio que nunca será demais referir que, de facto, uma relação que não tenha verdade não tem futuro, mas que a verdade tem limites, como diz o padre Alberto Brito:
       Só sou verdadeiro se tiver em conta a outra pessoa.
       Só sou sincero se atendo à pessoa a quem me dirijo e se atendo ao grau de intimidade ou de conhecimento mútuo que existe entre mim e essa pessoa.
       A verdade faz-se na relação: Quanto mais adultas são as pessoas, mais diversificadas se revelam as formas de comunicar. Quanto mais fiéis a si próprias e mais têm em conta a pessoa a quem se dirigem, mais cresce a relação de confiança.
      “A verdade é quando sentimos, pensamos e agimos de forma coerente. A medida da verdade pode ser a da coerência.”
      Ora é esta coerência que transparece na Emília e a torna verdadeira. Só para terminar, Emília, e a respeito do voluntariado, deixo um excerto do livro que deu azo a esta nossa conversa (também lhe recomendo) e que me parece ir ao encontro da sua opção relativamente à campanha de voluntariado. Um grande beijinho e um feliz domingo!

      “A única solução, a meu ver, para se conseguir cuidar de alguém de um modo duradouro e adequado, é retirar disso um profundo prazer, isto é, sentir em cada ato realizado pela outra pessoa um enorme bem-estar. Se uma parte de nós agir por dever, por sacrifício, porque “tem de ser”, e sente o peso de uma obrigação, de um constrangimento ou de uma culpabilidade, essa parte “devora” toda a nossa energia e vitalidade acabando, mais tarde ou mais cedo, por se vingar, manifestando-se através da ira, da revolta, da depressão.”

      E já agora, não sei se lhe enviei este link, mas pelo sim pelo não aí vai:
      http://www.youtube.com/watch?v=mGCokwtlU7U

      Excluir
    2. Teresa, muito obrigada. O meu comentário foi todo no mesmo dia, só que saiu tão grande que tive de dividir. Quanto ao voluntariado acho que entendi e o texto dá-me razão; devo trocar essa função pela que me der mais prazer, ajudando do mesmo jeito, pois isso me agrada muito. Por isso amanhã irei ajudar na arrumação e contabilização dos produtos angariados. Irei ver o link com certeza. Um beijinho, amiga e até breve.
      Emília

      Excluir