“Uma jovem mulher estava a fazer tempo no aeroporto para
apanhar o avião. No snack-bar, comprou biscoitos e foi buscar um café. Quando
voltou à mesa onde tinha a sua bagagem encontrou um homem a comer
descontraidamente os seus biscoitos. Ela, irritada pelo à vontade do homem,
tirou um biscoito para demonstrar que os biscoitos lhe pertenciam. O homem
tirou outro biscoito. Enquanto lia o jornal a sua irritação ia crescendo, pois
o homem continuava a comer biscoitos. Quando já só sobrava um biscoito, o homem
partiu-o ao meio, comeu metade e levantou-se sem dizer nada. Completamente
furiosa, ela comeu a metade do biscoito e fechou o jornal. Quando abriu a mala para
guardar o jornal, encontrou o seu pacote de biscoitos intacto dentro da mala.
Tinha comido os bolos ao homem. A irritação deu lugar à vergonha. A sua opinião
sobre o homem transformou-se num segundo (…)”
O intelecto fecha-nos, muitas vezes, numa
cela de imagens ilusórias. Cada um de nós constrói uma realidade em função de
informações recebidas e compreendidas pela nossa mente, tomando a imagem da
realidade pela realidade em si, esquecendo-nos que as crenças e as informações
que formam o nosso conhecimento objetivo constituem uma realidade subjetiva, uma
verdade que é só nossa, num instante dado. Há que estar aberto ao
questionamento de cada informação, ampliando os horizontes da consciência a
cada momento; estar consciente da parcialidade do nosso conhecimento.
Lembrar-nos da jovem do aeroporto pode ser útil, sobretudo, nas nossas discussões do
dia-a-dia: ter presente que podemos estar a ser injustos na nossa visão, ter a
consciência que as nossas percepções são relativas e, na consciência desta
relatividade, também podemos mostrar aos outros que, às vezes, são eles que não
estão a ver a nossa realidade e que, generosamente, estamos a repartir o último
biscoito.
Há que realçar também o quanto as diferentes interpretações da realidade explicam os
acontecimentos da vida consoante somos mais optimistas ou pessimistas. Como nos
diz Helena Marujo, os pessimistas explicam os sucessos como alguma coisa que
não depende deles e os insucessos como confirmações de que não prestam. Já os
optimistas reconhecem, perante um sucesso, que têm competências, que se
esforçaram e dedicaram e que, da próxima vez, voltarão a ter sucesso, ou seja,
generalizam positivamente. Perante um insucesso, reconhecem o seu carácter
pontual, e consideram que da próxima vez será melhor. Estas diferentes
abordagens da realidade têm, evidentemente, impactos muito diferenciados no
nosso comportamento. Há que aprender a reconstruir as leituras interiores sobre
a vida e sobre nós próprios.
“Penso, sinto e, em função desses
aspectos, escolho agir. É necessário perceber que a realidade é alterável e
depende muito da nossa acção. A avaliação científica demonstra que, se formos
capazes de mudar o nosso discurso interior de forma positiva, é possível
alterar a realidade. E mesmo que a realidade seja dramática e, em determinados
momentos, nem sequer a possamos controlar, temos sempre um espaço de liberdade
interior que corresponde à nossa linguagem íntima, à nossa narrativa na relação
com os outros e com o mundo.”