sábado, 13 de abril de 2013

Pausa

“Chamamos cultura da pausa à tradição oriental de dar importância aos silêncios na comunicação, às margens na pintura, aos vãos livres na arquitectura, ao não dito na mensagem e à receptividade na contemplação (…)

            Não se vê melhor a Lua – diz-se na tradição zen – agitando a água no charco, mas deixando que fique quieto e sedimente. A verdade sobre nós mesmos é-nos dada como um presente quando a deixamos aparecer. E esta verdade sobre nós mesmos é, ao mesmo tempo, a verdade sobre tudo e sobre o todo. Mas é preciso deixar que a água embora turva, fique parada para reflectir como um espelho.”
   Juan Masiá, A Sabedoria do Oriente



“(…) A verdade é que privamo-nos a nós próprios do tempo necessário para colher o sabor, o silêncio ou as cintilações que temperam a vida. No atropelo ofegante a que nos entregamos há um crescente alheamento de nós próprios. Não lhe damos o estatuto de patologia, mas esta desertificação da vida interior disfarçada de eficácia o que é senão isso? As nossas sociedades medem, infelizmente, o seu progresso esquecendo, quando não obliterando, domínios da vida humana que não são mensuráveis e que têm a ver com a interioridade, a criação, o dom, a alegria, o sentido. Héritier escreve: “Há uma leveza, uma graça singular no puro e simples facto de existir, para lá de todos os compromissos profissionais, dos sentimentos intensos, das lutas políticas e humanas: é disto e de nada mais que vou agora procurar falar. Desse minúsculo não sei quê a que chamamos o sal da vida.” E elenca, então, por um processo de associação espontânea, aquilo que nós não vemos ou não chegamos a valorizar devidamente: percepções, pequenos prazeres, detalhes dolorosos ou alegres, momentos de humor, curiosidades, lugares, flagrantes quotidianos. Deixo-vos com alguns exemplos: assobiar com um fio de erva na boca; limpar o prato com um bocado de pão; assistir a uma cavalgada num western; saltar à corda que duas amigas fazem girar sempre mais rapidamente; sentar-se com as próprias forças na cama de um hospital; recordar-se já sem vergonha das imbecilidades que fizemos lá atrás; cair do pódio à frente de 100 pessoas; dançar maravilhosamente a valsa, mas também a rumba, o tango e o rock´n´roll; passar uma noite em branco para ler um romance; escrever à mão; perder tempo a formular melhor uma ideia; improvisar durante a semana um jantar de domingo; perder-se a contemplar um formigueiro que ferve de actividade; não fazer de conta que não se vê o sofrimento alheio; não conseguir recordar-se da sequência de uma anedota, apesar de todo o esforço, preparar uma mousse de chocolate seguindo a receita (cheia de manteiga) herdada da avó; respirar devagar e de olhos fechados num prado; amar as palavras degustando a sua sonoridade; reencontrar no armário o calçado de verão, quando ainda é inverno; pensar com prazer nos encontros que nos mudaram a vida; ser feliz quando os outros o são.” 
José Tolentino Mendonça (O sal da vida – Expresso)


                                                       imagem tirada daqui


Há que parar, fazer silêncio em nós… São as pequenas pausas de reflexão que nos retemperam e ajudam a tomar fôlego para o caminho que está por percorrer. É a consciência do instante que transforma os momentos de bem-estar numa reserva de felicidade a que podemos recorrer quando nos falta a fé ou a esperança. É a nossa dimensão silenciosa, submersa, que nos permite estar atentos aos pequenos nadas, saborear o “sal da vida”. Porque é no pequeno, no insignificante, no mais quotidiano, que a Vida habita.
 
 

6 comentários:

  1. Mas não faças uma pausa muito grande, OK? ;-)

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. À tua pala não fiz mesmo, mas sabes, Sónia, começo a sentir, também, que o assunto começa a esgotar-se ou, pelo menos, a repetir-se. Foi o que aconteceu com o meu anterior blog que acabei por dar por findo. Daí, este agora andar mais "pausado"... Mas valeram as tuas palavras que agradeço muito. Um grande abraço e um lindo domingo para ti.

      Excluir
    2. Minha linda, o assunto não se esgota nunca, nem sequer se repete!
      O problema é que todos andam tão negativos que não querem ver as coisas boas da vida nem mudar a sua atitude. Andam passivos ou, no máximo, reactivos e não querem ter que se esforçar para coisa alguma.

      Vai daí, quem é optimista e quer ajudar os outros a usufruirem dessa coisa tão boa que é ver o mundo com lentes coloridas, fica cansado...
      Já andava para escrever sobre isso, por isso vai ser mesmo desta! :-)

      Conta comigo nesta caminhada linda! :-)

      Beijinhos e boa semana com folga! ;-)

      P.S.: Desculpa lá ter incomodado o descanso! ;-P

      Excluir
    3. É verdade, Sónia. Parece faltar-nos, cada vez mais, o oxigénio necessário para mergulhar na vida. Muito obrigada pelo alento que me dás e por seres minha companheira nesta caminhada. Um imenso abraço

      Excluir
    4. Cá está a resposta como prometido! :-)

      http://pensamentosdaveiga.blogspot.pt/2013/05/ser-optimista-cansa.html

      Mal tenha um pouco mais de tempo, venho comentar as coisas novas, OK?

      Beijos grandes e continuação de uma muito boa semana minha querida amiga! :-)

      Excluir