domingo, 11 de março de 2012

O conflito


O conflito é de tal forma corrosivo que nos pode tornar absolutamente incapazes de gerir as nossas vidas, nos seus aspectos mais básicos. No entanto, deve ser difícil encontrar na Terra ser vivo mais atreito à geração de conflitos do que o Homem. Não passa um dia (nalgumas pessoas, horas), sem que seja engendrado um conflito com alguém ou connosco e mal acaba um, há logo outro a começar. E cá estamos no mais destrutivo ciclo vicioso do nosso dia-a-dia.
O conflito divide-se em dois aspectos: o interior e o exterior. Geralmente, senão sempre, o conflito exterior decorre do interior e na nossa cultura o conflito está de tal forma enraizado na nossa maneira de pensar e agir, que quase partimos do princípio que parte da nossa própria essência. Porém o conflito decorre do nosso contexto cultural e civilizacional, tendo a sua expressão mais violenta na guerra e na forma como muitos entendem a guerra como um mal necessário.
Não devemos confundir conflito com confronto. Recorrendo aos dicionários para saber exactamente do que estamos a falar: CONFRONTO significa comparar, pôr em paralelo com, acarear (ACAREAR é a acção de pôr questões em presença de várias pessoas para se ajustarem posições, em sentido figurado, significa atrair afagos, tornar algo ou alguém caro e querido); CONFLITO significa embate, choque, luta, guerra, desordem…
Quando uma criança nasce nunca é conflituosa, apesar de estar, permanentemente, em confronto: Começa por confrontar alimentos entre si, comportamentos dos outros para com ela, sensações de bem-estar e mal-estar físico e por aí adiante. Nesta confrontação toma partido por algumas dessas experiências em detrimento de outras. Apurando o seu sentido crítico vai aprendendo a escolher, vai construindo a sua “enciclopédia” de vida. Quando é muito pequenina pode ser, de facto, muito espalhafatosa nas suas demonstrações e as suas birras são, muitas vezes, confundidas com conflito quando, no fundo, se trata de um confronto, de uma aprendizagem, de uma descoberta. Todos os que estão envolvidos afectivamente com a criança devem entrar neste processo de aprendizagem e CONFRONTAR as suas aprendizagens com as da criança. Todos têm de saber discernir que nem tudo se pode fazer, mas que não é à força que se resove a questão. Não é pela imposição que o assunto fica resolvido: Há que ACAREAR, ou seja, saber gerar um consenso através da comunicação entre as partes que só o afecto permite.
Quando se tenta impor pela força, imediatamente gera-se a reação de resposta à imposição e à força e, se esse é o padrão, a resposta terá igual sinal. À força responde-se com força e deitamos à terra a semente do conflito iniciando esse ciclo vicioso de permanente beligerância. Uma situação que predomina na nossa sociedade e é algo que nos marca o comportamento e as emoções para toda a vida.
A esmagadora maioria das expressões de conflitos são efeito de conflitos que experimentamos internamente: É como se a nossa mente se repartisse em dezenas de compartimentos em que cada um alberga uma emoção que entra em conflito com a outra. Até um simples pensamento parece ser um potencial gerador de conflitos manifestando-se nas situações mais insignificantes como pensar em ir à praia (vou, não vou… da outra vez fui e fiquei escaldada, vou sozinha ou convido X, ou Y… se for à hora W e apanhar fila… se a praia está cheia…) que se pode tornar num verdadeiro inferno mental. Um inferno que tem na sua raiz as emoções conflituosas.
Emoções que não controlamos, mas que nos controlam e que entram em choque umas com as outras, até nos deixarem literalmente incapazes de lidar com o nosso quotidiano.
Toda a nossa vida está condicionada por este padrão de comportamento e, se observarmos com atenção, aquilo que realmente nos atormenta não são os problemas, mas a nossa incapacidade de nos confrontarmos com eles objectivamente e resolvê-los: Entramos instantaneamente em conflito, caindo de cabeça numa espiral de emoções descontroladas.
Há que deixar de dar espaço a esta avalancha de conflitos internos, onde nos temos deixado levar desde crianças.
O grande trabalho será o de reconhecermos que o conflito emocional não existe, não é uma coisa que tenhamos dentro do cérebro, mas o resultado de um ciclo educacional e cultural que só nós podemos fazer cessar. Ninguém o pode fazer por nós. Tomar consciência deste incomensurável condicionamento, de que sofremos com ele e, sem auto recriminações (ou culpa, outro mecanismo poderosíssimo de controle psicológico), com os olhos do coração, a pouco e pouco, ultrapassá-lo.
Fonte: Frederico Mira George, O Princípio do Caminho

17 comentários:

  1. Bem verdade!
    Por isso cada vez mais tento manter uma nota positiva no blogue e na vida, vendo o laod bom das coisas e evitando quem e o que me faz mal.
    E o samurai demonstrou bem isso!!! :-)

    Boa semana meninas! :-)

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    1. É o que tento fazer também, Sónia, mas como hoje aprendi (explico na resposta à Emília)às vezes poderá ser construtivo um conflitozinho :) Feliz fim de semana para ti e um grande beijinho
      Teresa

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  2. Sim amigas, um passo de cada vez...
    E as nossa fraquezas vão sendo ultrapassadas, pena o tempo parecer tão curto para tão largo caminho, não é?
    Muito, muito bom, vir aqui.
    Abraço às todas
    Especial à Teresa, claro :)
    Marta M
    www.domeulugar.blogs.sapo.pt

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    1. E é sempre uma enorme alegria que me dás quando aqui te leio, Marta. Muito, muito bom mesmo. Um abraço amigo e grato
      Teresa

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  3. Ai, ai, ai...tema difícil este! Os nossos confrontos...os nossos conflitos que, concordo, vão gerar conflitos com os outros. Conflitos internos, tenho-os, claro, mas, como diz a Sonia, hoje eles são cada vez menores; dou-me ao luxo de fazer aquilo que realmente quero e me dá prazer; não vou sair com determinada pessoa só porque devo, mas sim porque gosto de estar com ela; se está frio...tenho a lareira acesa e apetece-me ficar enroscada na manta, apesar de ser domingo e sempre sair com o meu marido, simplesmente digo que não vou e fico. Claro, isto gera sempre algum conflito, pois ele não gosta de ficar em casa, mas acaba por concordar...ele vai e eu faço o que realmente me apetece; tudo isto exigiu muito aprendizado de ambas as partes, mas acabamos por entender que é lógico que ele saia se não quer ficar em casa e que eu deva ficar se na realidade é isso que me dá prazer. É claro que também tem de haver a sensibilidade suficiente para entender que uma vez ou outra eu devo acompanhá-lo para lhe fazer companhia, mesmo que não me agrade e o mesmo deve fazer ele.Muito complicado neste tipo de relacionamento tanto no que respeita aos conflitos quanto no que se refere aos confrontos. Exige muito " jogo de cintura" e foi preciso muitos conflitos para se chegar ao estágio onde nos encontramos hoje; costumo dizer que para se chegar aos 36 anos de relacionamento são necessários muitos confrontos, muitos conflitos; eles constituem o nosso aprendizado para uma vida a dois mais ou menos equilibrada, com o devido respeito pela individualidade de cada um. É como com as crianças que vão aprendendo a cada dia a confrontarem-se com as coisas novas que vão sentindo, aprendendo assim a lidar com elas. No relacionamento a dois, nos relacionamentos com os amigos, com as atitudes e problemas de todos os que compõem a sociedade também funciona assim; vamos confrontando as nossas ideias, os nossos gostos, as
    nossas atitudes com as dos outros e vamos aprendendo a

    respeitá-las e a respeitar as nossas, mantendo-nos assim

    verdadeiros individuos; claro que não conseguimos sem

    alguns conflitos, mas, como disse, penso que eles fazem parte do processo de aprendizado Isto tudo requer muito tempo, muita luta e esforço e é pena que só o consigamos fazer quando já nos resta( possivelmente...) poucos anos. Mas...não adianta pensar que poder-se-ia ter conseguido mais cedo; é no berço que começamos a sentir a vida e a aprender a lidar com as emoções e esse aprendizado continua a passos lentos pela vida fora. Concordo que não são os problemas que mais nos assustam, mas sim a nossa incapacidade de lidar com eles, de os ultrapassar. Neste aspecto, ainda tenho muito que aprender; há certos problemas, certas emoções principalmente nas pessoas que me são muito queridas que eu tenho muita dificuldade em contornar; sou até capaz de ajudar que essa pessoa as contorne, mas o meu eu mais profundo não consegue; vivo em conflito interno constante enquanto não vejo o brilho no olho e o sorriso nos lábios de quem está vivendo uma fase difícil.Contornar os problemas emocionais das pessoas que amamos para mim ainda é muito difícil; os problemas físicos,os problemas materias próprios da vida esses eu sinto-os também e sofro com a pessoa, mas consigo contorná-los facilmente sem que me causem qualquer conflito interno; quando os obstáculos são de origem emocional e estão tirando a luz à vida dessa pessoa eu ainda não sou capaz de olhar para o lado bom desse acontecimento e nem de dizer a mim mesma..amanhã isto passará...tudo se vai resolver e assim sendo, os conflitos internos são mais que muitos. Este é o meu aprendizado mais urgente e a cada dia que passa faço uma promessa a mim mesma de que amanhã estarei melhor nesse aspecto Como diz a Marta..." Um passo de cada vez e as nossas fraquezas vão sendo ultrapassadas" Um beijinho Teresa e também um para a Marta e dois para a Sonia, pois ela não gosta de receber um só. Fiquem bem e tenham uma bela semana.
    Emília

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    1. Emília, adoro os teus comentários, pois são tão pessoais e tão cheios de partilha que nunca passo sem aprender algo com eles! :-)
      Obrigada e, por mim, escreve testamentos à vontade!

      Beijinhos grandes! :-)

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    2. Obrigada, Sonia. Sou assim...um livro às vezes aberto demais, mas para mim é muito difícil ser diferente. Penso que deveria manter o livro só entreaberto, mas isso é também um assunto em estou a tentar mudar, mas só um pouquinho, pois considero importante sermos autênticos. Dois ou 3 beijinhos, amiga!
      Emília

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    3. Corrigindo..." um assunto em que estou..."
      Os testamentos são outra característica minha...não consigo escrever pouco. Outra coisa a mudar!!!!
      Bjos
      Emília

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    4. Sabe, Emília, hoje passei o dia no ISCTE por causa de uma actividade (12 horas de Gestão) a que vão alunos do secundário. Os professores acompanham-nos, mas eles ficam independentes a realizar o seu trabalho e nós, paralelamente temos uma formação cuja temática só sabemos na hora. Como o Universo é fantástico o tema da nossa formação foi nada mais, nada menos do que “”Gerir e Mediar o Conflito” :) E foi muito importante ver uma outra perspectiva do conflito, uma excelente aprendizagem para mim. Eu que estou sempre a dizer que tudo tem os dois lados, nada é só positivo ou negativo, só estava a perspectivar o conflito na sua negatividade não vendo um outro lado que pode ser construtivo e que vai de encontro ao que a Emília refere relativamente ao nosso processo de aprendizagem nos relacionamentos que implica a existência/resolução de conflitos. Fiquei a saber que existem empresas que os despoletam intencionalmente de forma a:
      - Fazer surgir ou ressurgir problemas que foram ignorados no passado, permitindo a sua clarificação.
      - Incentivar o indivíduo a conhecer melhor o outro.
      - Libertar tensões.
      - Motivar o aparecimento de novas ideias/soluções.
      - Suscitar a reavaliação de procedimentos e acções.
      De facto, muitas vezes, na tentativa de evitar conflitos (e falo por mim) acabamos por sublimar problemas que talvez se clarificassem melhor desta forma. Mas creio que tudo depende da forma como entendemos o conceito conflito e achei interessante que muitas das pessoas que lá estavam conotavam a palavra confronto com uma carga muito mais negativa que conflito. Isto dos conceitos tem muito que se lhe diga e então das percepções que lhes estão associadas nem se fala…
      E agora fui eu que ia fazendo um testamento… É que fiquei com inveja dos seus :) A sério adoro os seus comentários. Tal como a Sónia, e creio que todos os que a leem, aprendo muito com eles e fazem-me sentir neste blogue um espaço de partilha que me enriquece e acolhe cada dia. Obrigada, Emília, sempre e profundamente grata.
      Teresa

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    5. Teresa, Teresa...não me venha dizer que aprende comigo... Olhe, eu troco estas experiências todas, porque sou chamada a fazê-lo pelos interessantes e profundos temas que aqui coloca. Eles, sim enriquecem-me muito e levam-me a refletir no que tem sido a minha vida a esse respeito. Quanto aos conflitos num relacionamento eu acho-os até fundamentais. Se não os houver uma das partes anula-se e passa a ser e a viver a vida da outra; isso não é bom. Apesar de vivermos juntos temos interesses e gostos diferentes . Conheço alguns casais que nunca têm um conflito, mas também sei que uma parte não tem vida própria; faz só o que a outra gosta e dita. Parecem felizes, mas um está completamente anulado na sua individualidade. Claro que isto é uma questão de pontos de vista, mas para mim isso não dava certo. Cada caso é um e isto é simplesmente a minha opinião. Houve muitos conflitos na minha união? Claro, houve e há muitos, mas conseguimos manter a nossa individualidade e a relação dura até hoje. Beijinhos, Teresa e obrigada pelas palavras carinhosa. Mais um testamento!!! Um bom fim de semana
      Emília

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    6. Emília:
      - quando se tem muito de bom a partilhar, não interessa se o que se escreve é longo ou não, pois quem quiser lerá e algo aprenderá, com toda a certeza!
      - quando se é um livro aberto, mostra-se a coragem em se ser verdadeiro e dá-se uma oportunidade às pessoas para nos perceberem mais rapidamente - assim não perdemos tempo a tirar as cascas para chegar à cebola para vermos se está boa e valeu a pena o esforço, ou se está podre..., vê-se logo que é boa! ;-)
      - quando as relações são assim, complementares, as pessoas nelas envolvidas crescem juntas, nunca deixam de encaixar porque evoluem com a ajuda uma da outra. O vosso (teu e do teu marido) exemplo é prova disso e espero que dure por muitos mais anos! :-)

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    7. Teresa, adorei a descrição dessa tua experiência!
      Fez-me lembrar uma história do Gonçalo M. Tavares que saiu há pouco tempo na Pais & Filhos. É mais ou menos assim ('tou a dizer de cor, por isso o autor que me perdoe os erros):
      "Ía haver uma corrida, mas apenas dois meninos participaram: o Zézinho e o Luisinho.
      O Zézinho acabou primeiro e o Luizinho a seguir.
      Quando alguém que não assistira à corrida e não sabia quantos participantes tivera, perguntou como se tinha saído o Luizinho e lhe responderam que ficara em segundo, demonstrou grande entusiasmo.
      Quando perguntou pelo resultado do Zézinho e lhe disseram que ficara em penúltimo, ficou desanimada."
      Lá está, tudo depende do conceito... ;-)

      Beijinhos e boa semana! :-D

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    8. Ah, só mais uma coisinha que se apagou no comentário dirigido à Emília:

      Beijinhos e boa semana! :-D

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    9. Sonia, gostei dessa da cebola...de facto comigo vê-se logo ao olhar para ela...não precisa sequer tirar a 1ª casca. Preciso fechar-me um pouco mais, amiga! Pelo menos com certas pessoas. Beijinhos...quantos queiras.
      Emília

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  4. Bem....não se assustem, pois não vai sair outro testamento. Só quero dizer que adorei o video. Não é com a força física que chegaremos lá, mas sim com a força interior. Beijinhos
    Emília

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  5. Queridas amigas

    Hoje vemos
    no mundo
    as diferenças
    ceifarem o amor,
    seja por religião,
    cor,
    poder econômico.

    Fico a pensar
    no alcance
    das palavras
    deste texto,
    da mensagem
    do vídeo,
    e do aprendizado
    que o texto
    possibilita
    a quem o lê.

    Desejo que a alegria
    faça folia em sua vida.

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  6. Como diz Sogyal Rinpoche, no Livro Tibetano da Vida e da Morte, as únicas metas realmente importantes para a nossa vida são "aprender a amar os outros e adquirir conhecimentos". E nesta aprendizagem incessante a alegria fará,sim, folia nas nossas vidas. Muito obrigada, Aluísio, por tudo o que nos ensina, pelo acolhimento do seu coração. Sempre.
    Teresa

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