Todos conhecemos, pelo menos uma vez na vida, a sensação de
ser, ao mesmo tempo, únicos e estar imersos na totalidade; de engrandecimento
do ser, de uma experiência de transcendência. Seja na partilha de uma alegria colectiva,
na dádiva a um projeto ou causa, nos braços do ser amado, numa música que nos
arrebata…
Mihaly Csikszentmihalyi denomina esta expansão do ser, esta
plenitude que invade o corpo, o coração e o espírito, the flow, “o fluxo”. É como que uma onda que nos transporta para
longe das margens do medo, do aborrecimento, de tudo aquilo que nos constrange
e limita. A grande descoberta de Mihaly Csikszentmihalyi é ter demonstrado que
a experiência de fluxo pode ser programada e repetida para se tornar naquilo
que ele denomina “experiência óptima”: O estado de imersão total numa tarefa
desafiadora em que a alienação dá lugar ao envolvimento, o encantamento
substitui o aborrecimento, o sentimento de resignação é substituído pelo de
controle.
Esquiar, fazer voluntariado, nadar, conversar com amigos,
cantar num coro, pintar, escrever… As chaves da vivência de uma experiência
óptima são: Existência de um desafio claro que concentra completamente a nossa
atenção; termos capacidade para responder a esse desafio e recebermos um
feedback imediato em relação à maneira como estamos a sair-nos em cada passo da
nossa actividade (por exemplo, recebemos um sentimento positivo depois de cada
nota correctamente cantada, de cada pincelada dada).
Assim, quando escolhemos algo em que nos investimos na medida
das nossas capacidades e da nossa concentração, algo que nos desafia e nos envolve,
damo-nos a possibilidade de viver experiências verdadeiramente gratificantes.
Para ser considerada uma “experiência óptima”, a sua
actividade preferida deve apresentar as seguintes oito características:
1.
Ser
realizável, mas constituir um desafio e exigir uma aptidão particular.
2.
Necessitar
a sua concentração.
3.
Ter
um objectivo claro.
4.
Fornecer
um feedback imediato (saber se começou a ser bem sucedido ou não).
5.
Um
envolvimento profundo que exclui qualquer distração.
6. A possibilidade de você
poder controlar todas as suas acções.
7. Fazer desaparecer a preocupação consigo próprio, "esquecer-se de si".
8. Alterar a percepção da duração, do tempo.
Querida Teresa
ResponderExcluirPor vezes temos tanto em nós... e a maior parte do tempo deixamo-lo escorrer entre dedos!...
Será a nossa incapacidade (minha e de muitos, creio) de nos sintonizarmos com esse "fluxo" de que falas, de acordo com Mihaly Csikszentmihalyi?
Reflicto um pouco sobre as minhas questões (essas que se me levantam aqui enquanto te leio), sobre a minha inquietação, a minha procura e também a minha insatisfação permanente e justificável:
... É que sinto tanta coisa, tanta vontade, necessidade... e há de facto em mim tanto desejo dessa procura e encontro(s)... mas perco-me muitas vezes no caminho. Sucessivamente.
Distraio-me...
...são as mil solicitações que me cercam, ou invadem e que permito...
...e acabo por efectivar apenas uma parte desse percurso.
Bloqueio frequentemente esse “fluxo” (de que falas tão oportunamente para mim e provavelmente para tantos de nós), quem sabe por falta dessa concentração necessária, dos tais objectivos mais claros e melhor definidos, do descontrole de parte das minhas acções, dispersas como ficam a maioria das vezes no cansaço e nesses mil afazeres de cada dia... ...perco-me tanto, que às vezes sinto apenas o espaço do cansaço... e sobram preocupações... e mantém-se a percepção de uma duração infinita e indevidamente rentabilizada, aproveitada de tempo e de resultados... percebes porque digo que tenho tanto para aprender?
Vou dizer-te a propósito do que senti quando li este teu post:
Temi o mestrado. Temi-o realmente e tu sabes. Achei mais uma vez que seria muito difícil acabá-lo precisamente por tudo o que referi, por me conhecer e saber o quanto o trabalho no Centro de saúde me envolve e me absorve a maioria das energias, não sobrando agora, como antigamente, ainda espaço para outras coisas tão importantes para mim, após as 17h!...
... tinha medo sobretudo de não aguentar física e psicologicamente toda a sobrecarga que me era exigida e que eu própria me exigi... mas, apesar de não ser aquilo que me parecia mais importante realizar nesta etapa da minha vida, consegui... talvez porque tive que “cumprir” de acordo com objectivos, prazos... por que tive que obrigatoriamente me impor regras, rotinas para além das já praticadas e a inerente concentração desenvolvida mesmo à força, quantas vezes...
A percepção do que esta experiência me deu nesta etapa de vida, deveria ser um alerta... uma chamada de atenção para um despertar da atenção necessária, dirigida, desenvolvida, ou necessariamente a desenvolver!... a concentração, a definição do que efectivamente queremos... e a não dispersão inerente!...
Tantas vezes parecemos saber dizer aos outros, ajudar os outros, muito mais do que a nós próprios!... mas somos tão insuficientes e ineficazes para nos ajudar a nós mesmos!
Com humildade, acredito que está na hora de pensar, rever, reflectir e fazer... pouco, mas o possível... e encetei até um pequeno caderno auxiliar de memória, com uma frase lindíssima do Padre António Vieira: "Nós somos o que fazemos. O que não se faz, não existe. Portanto, só existimos nos dias que fazemos. Nos dias em que não fazemos, apenas duramos."
Vou tentar reflectir sobre isto. Vou colocar no meu blog se conseguir ainda... VOU!!! Porque precisamos permitir, o fluxo que possa existir em nós! Procurá-lo... senti-lo!... e SEGUIR, Prosseguir, Fazer!!!!
Obrigada Teresa... tão bom vir aqui e poder reflectir!
Acho que estou de volta mesmo e és muito importante no meu caminho.
Saudades
Isabel
“Assim que uma pessoa investe toda a sua energia psíquica numa interacção – seja com outra pessoa, um barco, uma montanha ou uma música – ela faz parte de um sistema de acção que ultrapassa as fronteiras do seu ser.” (Mihaly Csikszentmihalyi)
ExcluirNunca pensei, Isabel, ao escrever este post, suscitar, em ti, estas reflexões que aqui maravilhosamente partilhas. E não pensei porque te vejo imersa em tudo o que fazes: Nas tuas relações pessoais, na tua escrita, na música, na natureza... Portanto, se havia pessoa que, para mim, simbolizava esta capacidade de se sintonizar com o fluxo, essa pessoa eras tu. E, sinceramente, continuas a ser. Falas-me da tua inquietude, do tempo que se escorre, da tua procura... Sim, mas também sei que te investes de corpo e alma e que fluis em muito do que fazes. Dizes-me que bloqueias frequentemente o fluxo dessa torrente de desejos que te assaltam. Mas tu és mesmo torrencial e não podes fazer tudo... Por isso, o que penso, e em humildade te digo que te li muitas vezes a pensar que não te tinha entendido e continuo a achar que não consigo ir ao encontro daquilo que queres expressar, o que penso, dizia, é que em tudo o que fazes está o sentido: Em cada acto, em cada dádiva. Não faz sentido essa sensação de que bloqueias o teu fluir porque te vejo, em muitos momentos da vida, absolutamente mergulhada no seu fluxo e talvez esse caderno que iniciaste te faça ver isso mesmo: O quanto ÉS a cada momento. Mesmo naquele em que te sentes perdida.
Um abraço enorme
Somos complexos... e simples ao mesmo tempo!... e essa é, parece-me, a maior complexidade: Gerir, compreender, lidar, viver com tudo isso.
ExcluirCom tudo o que somos, sentimos (o fluxo da própria vida em nós), aparecem então os bloqueios...
...por "ser tanto"... esse “total” que nem sei se existe porque tende para o infinito, esse imenso, ali mesmo à frente de cada momento, de cada vivência extraordinariamente simples ou complexa... é a possibilidade do “tudo”... como que uma vertigem face ao infinito...
E aí... ou precisamente aí... tantas vezes me perco na minha pequenez humana e no desejo enorme e absurdo de querer abarcar mais do que posso... mais do que consigo ter consciência... mais do que percepciono, sabendo que vamos para além do possível quase sempre... mas o que registamos e tomamos consciência, é ínfimo!...
Depois... depois acabo por simplificar. É preciso... ou aprende-se... ou descobre-se, como pausa... ou o mal está nos momentos de queda nessa consciência pouco abrangente desse "todo" tão difícil! Somos tão pequenos!!!!
Mas é fantástico viver!... sejam os momentos simples... sejam os complexos... as questões... as descobertas... e tu és também assim, Teresa. Procuras, procuras... e estás, tal como eu e muitos outros, num estado de quase permanente insatisfação e de eminente vertigem, que tantas vezes nos perturba, assusta e confunde... mas que conseguimos apaziguar de vez em quando..., felizmente! ...e quando isso acontece, sentimo-nos felizes. Somos felizes. E a felicidade é isso. "Um momento"... nesse fluxo em que nos permitimos e nos aceitamos, humildes, mas plenos e grandes!!!
Abraço bem apertado, Teresa
PS - ... e transportas-me mesmo Teresa, como musa inspiradora ou instigadora... catapultas-me para as minhas questões primárias, existenciais... e quem sabe, voltarei a colocá-las no meu blog... graças a ti...
Obrigada pelo que me dizes, pelas tuas reflexões... e por me fazeres escrever... por me levares a "não resistir" ao que tanto preciso: Pensar por escrito... e escrever, enfim.
"E a felicidade é isso. "Um momento"... nesse fluxo em que nos permitimos e nos aceitamos, humildes, mas plenos e grandes!!!"
ExcluirObrigada, Isabel!
Olá Teresa e também, olá Isabel. Aos poucos estou voltando depois dos 40 dias cheios que tive; foram cansativos, mas correram muito bem e, depois da partida ficou um vazio, vazio que nem sempre é fácil de preencher, embora eu já esteja habituada a ele. Há outro tipo de vazio que há muito sinto e que tem muito a ver com este teu texo. Claro que eu já senti que fui fantástica, que realizei coisas que nunca pensei conseguir e que muitos me passaram a admirar por isso e digo-te que a sensação foi e é sempre maravilhosa por menor e mais insignificante que pareça a acção. Tenho muito tempo livre, pois não trabalho fora, como já muitas vezes falei: troquei a minha profissão de secretária pela de mãe, mas, claro, agora até dessa estou reformada.Tento preencher esse tempo com actividades que me agradam, mas o vazio continua, embora eu saiba o motivo; sei que sou uma pessoa exigente demais comigo mesma;nunca estou satisfeita com aquilo que faço e tenho consciência de que poderia dar muito mais de mim, mas ainda não consegui descobrir onde e como. Faço voluntariado, estudo Inglês ( sou apaixonada por linguas) mas isto ainda não conseguiu acalmar a minha inquietude. Poderia estudar mais, mas também sei que não é isto que me acalmará; além do mais tenho marido e sei que também não devo ocupar todo o meu tempo, porque fazer-lhe companhia participando das acções dele também tem que fazer parte deste meu flow; não faz, tenho consciência disso, mas TEM QUE COMEÇAR A FAZER. e talvez seja por aqui que eu tenha de começar; somos bastante diferente, mas foi essa diferênça que nos uniu e portanto há que tirar daí o maior proveito possível. Sabes, Teresa, sei que nunca vou atingir essa " experiência optima" embora não desista de a procurar; a cada dia tento e aos poucos vou preenchendo os vazios que me inquitam; como diz Carlos Drummond na sua palavra mágica
ResponderExcluirCerta palavra dorme na sombra
de um livro raro.
Como desencantá-la?
É a senha da vida
a senha do mundo.
Vou procurá-la.
Vou procurá-la a vida inteira
no mundo todo.
Se tarda o encontro, se não a encontro,
não desanimo,
procuro sempre.
Procuro sempre, e minha procura
ficará sendo
minha palavra.
Beijinhos, Teresa e....procurarei sempre melhorar como ser humano e dar aquilo que eu sei que tenho para dar à vida, aos outros e principalmente a mim mesma. Um beijinho muito especial também à Isabel. Gostei muito do que ela escreveu
Emília
Emília
ExcluirQue bom tê-la de volta a este espaço. Sabe, minha amiga, é incrível como me tenho surpreendido com as reações que tem suscitado este tema que eu já tinha abordado no meu anterior blog. Referia-me eu, na altura, ao encontro do nosso "apelo" (calling) interno como um dos factores determinantes do nosso bem-estar. Pessoas que estava absolutamente convencida que o tinham encontrado disseram-me que estava enganada. Muitas vezes falamos daquilo que precisamos aprender e esse é, aqui, o meu caso, pois eu também o procuro, também sinto falta desse envolvimento total em algo maior que eu. E creio que entendo esse seu vazio. Mas também acredito que a consciência dos pequenos momentos de puro envolvimento nos poderá levar, progressivamente,à imersão no fluxo. E que este mergulho é acessível a todos. Por isso, Emília, não diga que sabe "que nunca vai atingir essa " experiência optima" porque aí é que a procura não faz sentido. Acredito, do coração, que este "apelo" virá até porque, como diz, "a sensação foi e é sempre maravilhosa por menor e mais insignificante que pareça a acção". A consciência cada vez maior de tudo o que nos é gratificante trará a resposta à nossa busca. Mas há que acreditar! Com amizade
Teresa
Queridas amigas
ResponderExcluirE acrescentaria
que se puder acalmar
o coração,
tocando-o
com o sentimento
da esperança,
mudará para sempre
a nossa forma
de ver
e de sentir a vida.
Que haja sempre um sonho
a te habitar o entardecer do dia.
Aluísio Cavalcante Jr.
Que bonito e verdadeiro, Aluísio. É mesmo esse acalmar do coração que "muda para sempre a nossa de forma de ver e de sentir a vida." Obrigada, muito. Abraço forte
ResponderExcluirBom voltar por aqui :)
ResponderExcluirRespeitar o espaço e as escolhas de outro, de verdade e em liberdade de coração, para além do discurso previsível, não é para todos.
Bom também reflectir neste tempo incerto...
Um abraço a todas.
Marta M