“Como estás?” é, geralmente, a pergunta que fazemos quando
nos cumprimentamos ao encontrar-nos. Que pergunta importante, esta! Que
presente imenso ser capaz de saber, a cada instante, aquilo que está vivo em
nós.
Teremos consciência da importância desta questão? Do quanto
nela está o nosso verdadeiro encontro? Exprimimos, com honestidade, aquilo que
está vivo em nós naquele momento? Estamos atentos à resposta? Estamos atentos à
vida, de cada instante, daquele que cumprimentamos?
“Acho que grande parte dos nossos problemas
vem da falta de espiritualidade. Não estou a falar de misticismo, nem de
valores religiosos. Falo de coisas simples como a generosidade, entreajuda,
idealismo no trabalho, de sabermos como o que fazemos pode ser útil aos outros.”
Qualquer que seja a nossa definição
de espiritualidade, há um ponto comum que nos remete para uma dimensão maior do
que o nosso ser físico e do que as nossas necessidades materiais.
Espiritualidade é este olhar mais
amplo que nos eleva para lá de tudo o que está dividido, revelando-nos a
totalidade do que somos. “Uma atitude de confiança na profundidade do homem,
aquilo que no homem supera o homem; aquilo que no homem se mantém aberto a um
além do homem.”
Somos, como nos diz André
Compte-Sponville, seres finitos abertos sobre o infinito; seres efémeros
abertos sobre a eternidade; seres relativos abertos sobre o absoluto.
Espiritualidade é esta abertura ao
que nos transcende, este olhar que nos faz ver uma dimensão maior, uma união
mais completa com o nosso verdadeiro ser, com os outros e com toda a criação.
Um “sentimento oceânico” de fusão num mesmo todo que nos transporta para
experiências de mistério e evidência, plenitude, simplicidade, unidade,
silêncio, eternidade, serenidade, aceitação e liberdade.
Todos conhecemos, pelo menos uma vez na vida, a sensação de
ser, ao mesmo tempo, únicos e estar imersos na totalidade; de engrandecimento
do ser, de uma experiência de transcendência. Seja na partilha de uma alegria colectiva,
na dádiva a um projeto ou causa, nos braços do ser amado, numa música que nos
arrebata…
Mihaly Csikszentmihalyi denomina esta expansão do ser, esta
plenitude que invade o corpo, o coração e o espírito, the flow, “o fluxo”. É como que uma onda que nos transporta para
longe das margens do medo, do aborrecimento, de tudo aquilo que nos constrange
e limita. A grande descoberta de Mihaly Csikszentmihalyi é ter demonstrado que
a experiência de fluxo pode ser programada e repetida para se tornar naquilo
que ele denomina “experiência óptima”: O estado de imersão total numa tarefa
desafiadora em que a alienação dá lugar ao envolvimento, o encantamento
substitui o aborrecimento, o sentimento de resignação é substituído pelo de
controle.
Esquiar, fazer voluntariado, nadar, conversar com amigos,
cantar num coro, pintar, escrever… As chaves da vivência de uma experiência
óptima são: Existência de um desafio claro que concentra completamente a nossa
atenção; termos capacidade para responder a esse desafio e recebermos um
feedback imediato em relação à maneira como estamos a sair-nos em cada passo da
nossa actividade (por exemplo, recebemos um sentimento positivo depois de cada
nota correctamente cantada, de cada pincelada dada).
Assim, quando escolhemos algo em que nos investimos na medida
das nossas capacidades e da nossa concentração, algo que nos desafia e nos envolve,
damo-nos a possibilidade de viver experiências verdadeiramente gratificantes.
Para ser considerada uma “experiência óptima”, a sua
actividade preferida deve apresentar as seguintes oito características:
1.Ser
realizável, mas constituir um desafio e exigir uma aptidão particular.
2.Necessitar
a sua concentração.
3.Ter
um objectivo claro.
4.Fornecer
um feedback imediato (saber se começou a ser bem sucedido ou não).
5.Um
envolvimento profundo que exclui qualquer distração.
6.A possibilidade de você
poder controlar todas as suas acções.
7.Fazer desaparecer a preocupação consigo próprio, "esquecer-se de si".
8.Alterar a percepção da duração, do tempo.
Fontes: Vivre - La psychologie du bonheur, Mihaly Csikszentmihalyi Psychologies
Wabi sabi é uma expressão japonesa, quase intraduzível, que define a
beleza que mora nas coisas imperfeitas e incompletas. Uma forma de "ver" as coisas
através de uma ótica de simplicidade, naturalidade e aceitação da realidade.
O conceito terá surgido por volta do século XV. Um jovem chamado Sen no
Rikyu (1522-1591) queria aprender os complicados rituais da Cerimónia do Chá e
foi procurar o grande mestre Takeno Joo. Para testar o rapaz, o mestre mandou-o varrer o jardim. Rikyu lançou-se ao trabalho feliz. Limpou o jardim
até que não restasse uma única folha fora do lugar. Ao terminar, examinou cuidadosamente
o que tinha feito: o jardim perfeito, impecável, cada centímetro de areia
imaculadamente varrido, cada pedra no lugar, todas as plantas exemplarmente arrumadas. E então, antes de apresentar o resultado ao mestre Rikyu, chacoalhou
o tronco de uma cerejeira e fez caírem algumas flores que se espalharam
displicentes pelo chão. Mestre Joo, impressionado, admitiu o jovem no seu
mosteiro. Rikyu tornou-se um grande Mestre do Chá e desde então é reverenciado como
aquele que entendeu a essência do conceito de wabi-sabi: a arte da imperfeição.
Um dos ensinamentos da historia de Rikyu é que estes mestres
japoneses conseguiram perceber que a ação humana sobre o mundo
deve ser tão delicada que não impeça a revelação da verdadeira natureza das coisas. "Perceber a beleza que se esconde nas frestas de um mundo imperfeito é uma arte."
No nosso mundo real, aqui e agora, que tal abrir os
olhos para a beleza das coisas imperfeitas?